Uma mania escolar de entender errado a música (2 exemplos)

Existe uma tendência horrível presente em conservatórios e escolas de música:

A mania de confundir o próprio sistema da escola (qualquer processo que a própria escola/conservatório criou ou segue) com o aprendizado de música. Isso quer dizer: passar pelos testes, avaliações, e adquirir os certificados se torna mais importante do que realmente aprender a lidar com a música.

Repare que eu disse “tendência”.

Funciona como uma tentação que instituições de ensino têm de lidar.

E que a maioria delas acaba sucumbindo.

Essa tendência tem um efeito direto na vida dos autodidatas.

Veremos como, logo depois destes 2 exemplos clássicos dessa tendência.

Exemplo 1) A prova de percepção rítmica:

Ter um bom ouvido pra ritmo não significa apenas reconhecer um padrão…

Mas reconhecer a divisão rítmica mesmo que sem padrão.

Não se adquire essa habilidade da noite pro dia.

E na ânsia de fazer seus alunos passarem na prova (e portanto aumentar o nível de aprovação do seu sistema) as escolas adotam o teste de percepção em que a divisão rítmica está relacionada com um som específico. Ao invés de um som neutro (ta-ta-ta-ta-ta-ta…) eles adotam um som diferente para cada tipo de divisão rítmica.

Assim o aluno passa facilmente na prova.

Claro que esse subterfúgio poderia ser usado como parte do processo.

Mas passar nessa prova acaba sendo identificado com a própria habilidade de perceber as divisões rítmicas.

Agora, na hora do vamo-vê, o estudante não consegue identificar a divisão.

Pois nas músicas aquela divisão não está relacionada com um som específico.

Exemplo 2) A prova de percepção de intervalos:

Escutar um intervalo musical e identificar qual é pode ser imprescindível.

E com toda certeza sempre será uma habilidade útil.

E qual o truque que as escolas aplicam pra que o aluno passe facilmente na prova?

Ensinam o aluno a relacionar os intervalos com uma música conhecida.

Então, um o TAN-TAN-TAN-TAAAAANN da 5ª sinfonia de Beethoven fica relacionada como uma terça maior… aquele trecho assustador da música do filme Tubarão fica relacionada com uma segunda menor… e assim por diante.

O aluninho senta do lado do professor…

Este toca um intervalo isolado qualquer…

O aluninho relaciona esse intervalo com o que tem na memória e…

Bum!

Acerta nome dos intervalos e passa na prova!

Isso quer dizer que o aluno pode escutar uma música e identificar os intervalos?

Pense só no trabalho absurdo que ele terá pra relacionar cada intervalo de uma música com outra música conhecida pra então conseguir identificar o nome. É uma missão quase-impossível.

Mas, sem problema, ele passou na prova!

Claro que esse tipo de coisa pode estar dentro de um processo.

Pode ser algo que sirva como etapa.

Como degrau.

Mas jamais como resultado final.

(não me espanta que nas últimas décadas houve um mar de “métodos fáceis” publicados)

(“fácil” se refere ao modo que o aluno se engana que está aprendendo alguma coisa)

Como isso afeta os autodidatas?

Bem, a tendência horrível do autodidata é passar a vida correndo atrás do pulo do gato.

Assim que ele lê em alguma apostila de escola…

Ou alguém conta pra ele como tal escola faz pra ensinar a percepção rítmica…

Logo brilha uma luz de “– AHÁ! Descobri o segredo!”

E lá vai o autodidata todo feliz achando que o segredo pra perceber duas colcheias é o TA-TE e relacionar todos os intervalos com alguma música é o grande pulo do gato.

Mas claro que fica faltando coisas.

E assim o autodidata continua sua jornada para encontrar o próximo macete.

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