Autobiografia de um pó

Olá!

Bem, acho que primeiro devo me apresentar.

Me chamo Poliano Poreira.

Sou um pó.

Minha família, assim como praticamente todas as famílias de pós, vive da guerra. Aliás, o mais certo seria dizer que vivemos para conquistar e dominar territórios. Talvez você esteja estranhando que um “pó” viva da conquista e da guerra, então, em nome do esclarecimento, vou contar como minha família se tornou a mais respeitável de todas.

Antigamente nosso lugar era no chão.

E o chão, como você deve imaginar, é um verdadeiro caos.

Principalmente para nós, os pós.

Ali temos de lutar contra pés humanos…

Contra vassouras…

Aspiradores de pó…

Panos enrolados em um rodo.

Só encontramos paz se por acaso aparecer um tapete.

A verdade é que não gostamos de paz.

E mesmo nesse caos maravilhoso do chão, o sonho do meu avô, Poudo Poreira, era subir na vida dominando o território mais nobre de toda nossa região: o piano. O velho Poudo, meu avô, perdeu a vida tentando conquistar aquele imponente instrumento. Lutou, lutou, lutou, mas nunca conseguia dominá-lo. Sempre tinha alguém lá, tocando naquelas teclas, sempre alguém passando um pano, e o lugar era agitado demais para uma conquista.

Meu pai, Poulino Poreira, começou a ver dias mais promissores.

No começo, dois ou três dias na semana ele e o resto da família dominavam o piano quase inteiramente.

Nos outros dias a batalha era encarniçada.

Mas muitos pontos ali já eram permanentemente nossos.

Com o passar do tempo, fomos dominando inclusive as teclas e a tampa.

Quando me tornei um pó adulto, já nem havia mais guerra no piano.

O piano é totalmente nosso.

Pra ser bem sincero, se quero alguma ação, tenho que ir pro chão.

O domínio do piano tornou minha família famosa e respeitável.

Não só pelo domínio em si, mas porque analisei toda a estratégia que minha família se utilizou para realizar esse domínio e a publiquei num livro que agora é ensinado em todas as escolas de pós. A essência da estratégia é simples: depende da ação humana.

Os humanos, quando adquirem alguma coisa, ficam bem empolgados.

Querer dominar essa coisa deles é uma tarefa difícil.

Até pano com álcool e óleo de peroba eles são capazes de utilizar na guerra.

Mas temos de ter paciência.

Assim que eles derem o primeiro sinal de que a coisa já não é mais tão importante, assim que eles pularem um dia no uso dela, bem, aí começa o sinal que podemos tentar uma dominação de território mais agressiva. Em pouco tempo apenas a nossa simples presença já será suficiente para que o humano desista de utilizar a tal coisa que está em disputa.

Parece simples, certo?

Pois é, os humanos não vigiam e têm pouca paciência.

Mas nós não.

(Nota: Totalmente iniciante no piano ou teclado? Então conheça o Minicurso de Piano Para Iniciantes. Cadastre-se aqui.)

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