O drama do pianista amador

Sei bem que o meu aluno típico não pretende ser um pianista profissional — e não há nada de errado nisso. O que me incomoda é o nome usado para designar essa atividade secundária: “Um hobby, um passatempo”.

A carga negativa que esses termos carregam faz o próprio aluno entender errado o seu envolvimento com a arte de tocar piano, igualando-a ao que não tem importância, ao que pode ser abandonado por falta de sentido.

O apelo que vou fazer aqui é em favor de um termo esquecido, tão cheio de significado que é espantoso o seu desuso: AMADOR.

Como seria bom ouvir “– Pretendo ser um pianista amador” ou “– Sou um pianista amador”. Assim eu entenderia a seriedade das intenções do aluno e trabalharia com a certeza de bons resultados.

Aliás, a meta principal do site AprendendoPiano.com.br é a formação do pianista amador, fornecendo-lhe todo o tipo de informação necessária para um desenvolvimento sólido, sem “ocultar pérolas”, como vi acontecer muitas vezes. Por esse motivo, os profissionais também se beneficiam com os meus conteúdos e aulas. Repasso sem cerimônias as dicas que mais dão resultado.

Para começar, então, a defesa do nome certo dessa atividade encantadora é preciso que se fale dos tipos básicos de profissionais.

PROFISSIONAL lado B e PROFISSIONAL lado A

Em geral, falamos que alguém é profissional quando “ele faz disso a sua profissão”; ou seja, é tocando piano ou teclado que o caboclo põe o pão na mesa. Nesse sentido o músico do bailão é tão profissional quanto Nelson Freire. E embora isso não esteja errado, não é assim que vou tratar essa noção.

É necessário que o trabalho do pianista seja tocar piano para que o designemos profissional, sem dúvida. Mas a qualidade técnica também tem de ser avaliada. Se a desenvoltura não for levada em conta, o profissional pode não ser tão profissional assim, sendo um “profissional lado B”, ou “profissional erro-de-gravação”.

É considerando puramente a qualidade técnica que expressamos o bom trabalho de alguém ao falarmos coisas do tipo: “– Caramba! Essa lasanha ficou de profissional.

Então, para mim, profissional é o sujeito que possui uma desenvoltura técnica altíssima e faz da atividade de tocar piano o seu trabalho.

Nessa classe encontramos o nosso, já citado, Nelson Freire, também Vladimir Horowitz, Sergei Rachmaninoff, Arthur Rubinstein e muitos outros. Todos mestres na arte, que servem como nossos modelos e inspiração. Esses são lado A, mas elevados à enésima potência.

Para chegar ao nível deles não somente talento, vontade e dedicação são imprescindíveis, mas, também, tempo. É preciso que o talento, a vontade e a dedicação tenham agido desde a infância.

No caso dos não-profissionais, o nível técnico será invariavelmente menor, mas suficiente ao que eles se propõem. Tocar para os familiares, amigos ou na igreja é uma coisa maravilhosa, que enche o coração das pessoas de alegria, e é louvável que haja pessoas que se dediquem a isso.

O esforço que o aluno terá de engendrar também não é pequeno, só é menor.

Como falei, o que pretendo destacar é a maneira como as pessoas nomeiam essa atividade secundária. Quero mostrar como os termos hobby ou passatempo são inferiores a amador.

PASSATEMPO SÓ PALAVRA-CRUZADA

O que mais me chama a atenção em passatempo é o sentido literal desse termo. Ele parece significar aquilo que é feito ENTRE duas atividades significativas.

Você sabe que o tempo “passa”, certo? Então desde que você deixou de fazer algo importante até começar a fazer outro algo importante o tempo tem de passar, e aquilo que você faz na intenção somente de que o tempo passe é o seu passatempo.

Gosto de vários tipos de passatempos...

Gosto de vários tipos de passatempos…

Vai me dizer que isso não é esquisito. Dá para dizer que a característica principal de um passatempo é que ele consiga fazer você suportar o tempo entre duas atividades significativas. Só palavras-cruzadas podem ser descritas assim.

Certamente você pode objetar dizendo que não é desse jeito que entende o treinamento de piano. E é aí que vou proclamar a idéia de que TEMOS DE DAR O NOME CERTO ÀS COISAS.

AMADOR SÓ QUEM AMA

Veja bem, se você não é um pianista profissional, mas ama a arte e a pratica com seriedade, você é um PIANISTA AMADOR.

“AMADOR: aquele que ama, que dedica amor a algo ou alguém. Pessoa que se dedica a uma arte sem ser profissional.”

Essa é uma definição possível de constar num dicionário (embora seja minha :D).

Não posso acreditar que essa palavra não seja perfeita para o caso.

Eu sei, no entanto, que do mesmo jeito que profissional é usado para destacar a perfeição de um ato (como no exemplo da lasanha), amador é usado no intuito de desqualificar: “– Isso é coisa de amador, vá aprender a fazer!”.

E você fica desencorajado de usá-lo. Entendo.

Mas, convenhamos, pode ser verdade! Você pode muito bem ser um amador e achar que está pronto para se apresentar em algum lugar que exigiria mais capacidade (tocar na igreja, por exemplo).

Do mesmo jeito que existe diferença de grau entre os profissionais, existe entre os amadores. Tudo depende de você participar daquilo que corresponda ao seu nível.

Não podemos esquecer também que as opiniões dadas pelos outros refletem a pessoa deles; a sua mãe sempre vai achar lindo e o seu pai não, é provável que a avaliação dele seja idêntica ao último exemplo.

O bom é você sempre se comparar com os seus modelos, aqueles que você considera os melhores. Assim, quando alguém lhe elogiar demais, você não se envaidece tanto, e quando alguém lhe depreciar, você vai saber se a crítica faz sentido ou não.

Mas o cerne da questão de hoje é você nomear corretamente a categoria a qual pertence; se profissional não é a sua, então é AMADOR: “e com muita honra”, quero ouvi-lo dizer.

Sobraria ainda uma espécie de categoria intermediária, em que o músico faz um dinheirinho mas exerce também outra atividade. Bom, nesse caso, para mim, o nível técnico será determinante e os dois sentidos de profissional e amador vão se misturar; pode tanto tratar-se de um profissional-amador quanto de um amador-profissional.

O mais importante nesse momento é o amador assumir a responsabilidade do seu estado e designá-lo corretamente, amando a arte de tocar piano dignamente, desenvolvendo-se o mais que puder. Fazendo isso, o drama de passar por incompetente ao intitular-se amador nem ocorrerá. Para ele será normal amar e praticar sem ser profissional.

(Nota: Gostaria de iniciar o estudo de piano? Então, aproveite o Minicurso de Piano Para Iniciantes. Cadastre-se aqui.)

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